13 de Maio: Entre a abolição formal da escravização e a permanência da punição dos corpos negros

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Em 13 de maio de 1888, a assinatura da Lei Áurea pôs fim à escravização legalizada no Brasil. Mas o que se seguiu não foi liberdade plena, tampouco reparação. A população negra recém liberta não apenas ficou sem acesso à terra, à educação, à moradia ou ao trabalho digno — ela foi sistematicamente impedida de acessar essas políticas. O Estado, que deveria garantir a inclusão, operou para manter a exclusão, ao mesmo tempo em que seguia assegurando privilégios aos antigos senhores de escravizados.

Mais de 130 anos depois, os efeitos dessa falsa abolição ainda pesam sobre o país. O racismo estrutural — presente nas instituições, políticas públicas e imaginários sociais — perpetua a exclusão e a violência contra a população negra. Hoje, ela se expressa de formas diferentes, mas com a mesma crueldade: do genocídio da juventude negra ao encarceramento em massa, passando pela negação de direitos básicos.

As estatísticas escancaram essa realidade. Adolescentes negros das periferias seguem sendo os principais alvos da violência policial, de abordagens arbitrárias e do racismo no sistema de justiça. Quando acusados de envolvimento com o tráfico de drogas — o ato infracional que mais leva à internação — são tratados menos como sujeitos de direitos e mais como inimigos do Estado.

Dados recentes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), coletados em 2024 e divulgados em 2025, mostram com clareza o quanto o racismo estrutura a socioeducação no país: houve um aumento de 8,2% no número de adolescentes inseridos no sistema; 72,9% deles são pretos e pardos; e 27% cumprem medida por tráfico de drogas — classificado pela Convenção 182 da OIT como uma das piores formas de trabalho infantil.

Esses números não são fruto do acaso, mas consequência direta da ausência histórica do Estado nos territórios periféricos, do racismo institucional e da criminalização da pobreza. O sistema penal e socioeducativo brasileiro é seletivo — e essa seletividade tem cor, tem classe, tem endereço. A escravização deixou heranças perversas, atualizadas diariamente nos corredores das unidades socioeducativas, nas celas dos presídios, nas vielas onde a polícia atira antes de perguntar.

A violência não começa nem termina no cárcere. Ela também se manifesta na política de segurança pública, que segue tratando a juventude negra como alvo. Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2024, 6.393 pessoas foram mortas em ações policiais: 71,7% tinham entre 12 e 29 anos, 99,3% eram homens e 82,7% eram negros. É a juventude negra sendo executada antes de qualquer chance de defesa.

Enquanto isso, os investimentos em repressão seguem em alta. Em 2023, foram R$ 137,9 bilhões destinados à segurança pública, em contraste com os escassos recursos para educação, cultura, esporte e assistência social — áreas essenciais para prevenir o ingresso de adolescentes no sistema socioeducativo.

Esse cenário se agrava diante do avanço de propostas legislativas que ameaçam os direitos já conquistados. Projetos como a redução da maioridade penal, o aumento do tempo de internação e a flexibilização do uso da força contra adolescentes ganham espaço no Congresso, alimentados por discursos punitivistas e racistas. Um exemplo é o PL 4256/2019, que pretende ampliar o armamento da população, intensificando ainda mais os riscos à vida em comunidades vulnerabilizadas.

Diante desse contexto, a Coalizão pela Socioeducação reafirma seu compromisso com o enfrentamento ao racismo estrutural e à lógica de punição seletiva que marca a trajetória de milhares de adolescentes no Brasil. Defendemos uma socioeducação verdadeiramente emancipadora — que reconheça a dignidade de cada jovem, invista em políticas de reparação e construa um país onde a cor da pele não determine o destino.

O dia 13 de maio vem para nos lembrar que é preciso transformar o presente a partir do passado. Que a memória dessa falsa abolição nos convoque à luta por justiça, equidade e reparação histórica.

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