Desconstruindo o uso do termo “menor” na comunicação: uma abordagem respeitosa e inclusiva dentro dos direitos humanos

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A mídia atua de forma decisiva na construção de valores e de comportamentos sociais. A escolha das palavras desempenha um papel crucial na formação de opiniões e na promoção de valores éticos e respeitosos. Nesse contexto, o emprego de palavras inadequadas pode reforçar preconceitos, estereótipos ou tabus que ocultam a violência contra crianças e adolescentes.
Um termo que é amplamente utilizado, porém, suscita discussões sobre sua adequação e potencial estigmatização, carregando conotações negativas e sugerindo uma visão reducionista e descontextualizada, é “menor”. Este artigo se propõe a examinar o uso deste termo em diversas situações, desde referências à idade até questões legais envolvendo adolescentes, destacando a importância de adotar uma linguagem inclusiva e respeitosa.

O uso do termo “menor” e suas implicações

O termo “menor”, usado para designar crianças e adolescentes, em geral tem sentido pejorativo, desrespeitoso, contribuindo para a marginalização deste grupo. A expressão é um resquício do antigo Código de Menores, legislação que expressava por paradigma a doutrina da situação irregular, a criminalização da pobreza e a institucionalização de crianças e adolescentes vulneráveis.
No entanto, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, e em seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os termos “menor” ou “menor de idade” não devem ser utilizados para designar ou caracterizar crianças ou adolescentes. A mudança adequa-se a doutrina da proteção integral, onde meninos e meninas passam a ser sujeitos de direitos.
Com a troca de legislação, houve, portanto, o rompimento com as normas anteriores, entre elas, a mudança no sistema dos conceitos jurídicos aplicáveis às crianças e adolescentes, por exemplo, a abolição da terminologia “menor” quando envolvido em crime ou contravenção penal. O termo foi alterado, segundo o artigo 103 do ECA, para ato infracional, quando cometido por adolescente. Dessa forma, o adolescente (pessoa entre 12 e18 anos) não pratica infração penal, mas ato infracional. Para a criança (pessoa até 12 anos de idade incompletos), a terminologia correta é desvio de conduta (e não ato infracional). Nessa fase o ECA garante a proteção através de Medidas Específicas, contidas no artigo 101.

Adolescentes em conflito com a lei

O termo “menor” ainda é tratado, em certos meios, com preconceito, principalmente quando acontece a prática do ato infracional. Rotular adolescentes como “menores infratores” ou simplesmente “menores” contribui para a marginalização, obscurecendo suas histórias individuais e as possibilidades de ressocialização. O termo é usado, muitas vezes, para explicitar a segregação. Por exemplo, quando a questão envolve uma criança ou adolescente branco, e não vulnerável, dificilmente será chamado de “menor”. Já, quando o ato infracional é cometido por uma criança ou adolescente preto, ou indígena, ou em condição de vulnerabilidade, será sim, nominado como “menor”.
A prática do ato infracional não é incorporada como inerente a identidade de crianças e adolescente, mas vista como uma circunstância de vida que pode ser modificada. Logo, a terminologia correta para designar adolescentes que cometeram o ato infracional é “adolescentes em conflito com a lei” ou “adolescente a quem se atribui ato infracional”.
O adolescente que cometeu ato infracional será responsabilizado por meio das Medidas Socioeducativas – MSE, conforme determina o artigo 112 do ECA. Essas medidas variam de acordo com a gravidade do ato. De maneira geral, buscam orientar e apoiar adolescentes em conflito com a lei, com o objetivo de reintegrá-los à vida familiar e comunitária como prioridade absoluta.
É importante registrar que o termo “menor” possui grande carga pejorativa, na medida em que geralmente é utilizado em situações nas quais adolescentes cometem atos infracionais, ou se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Questões de idade e dignidade

Quando usado para se referir à idade, o termo “menor” pode reduzir as crianças e adolescentes a uma categoria homogênea, ignorando suas necessidades individuais e sua dignidade. Em vez de rotulá-los como “menores”, devemos reconhecer sua singularidade e respeitar sua fase de desenvolvimento, utilizando termos como crianças e adolescentes.
Vale lembrar, o ECA garante a proteção integral à criança e ao adolescente, normatizando o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, onde atribui à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao Poder Público, o dever de garantir, com prioridade absoluta, que meninos e meninas tenham os seus direitos assegurados, colocando-os a salvo de toda forma de violência
Esqueça, portanto, em qualquer circunstância, o uso de “menor” ou “menor de idade” para se referir a crianças e adolescentes, porque reproduz o conceito de que são cidadãos “incapazes”. A maioridade legal designa a idade em que um indivíduo já pode ser considerado apto para gozar de seus direitos, exercer suas obrigações e ser responsabilizado por suas ações. A expressão “menor de idade”, como dito anteriormente, remete ao extinto Código de Menores, dando a entender que se trata de alguém com menos direitos na sociedade – o que não é verdade, visto que a legislação brasileira atual os considera como sujeitos de direito e pessoas em desenvolvimento, destinatários da proteção integral.

Alternativas respeitosas e inclusivas

A substituição do termo “menor” não consiste em uma tarefa complicada. A língua portuguesa é muito rica e oferece diversas palavras que podem ser empregadas em seu lugar, ao discutir questões relacionadas à infância e à adolescência, empregando uma linguagem respeitosa e inclusiva. Algumas alternativas ao uso do termo “menor” incluem: criança, adolescente, garoto e garota, menino e menina, jovens, pessoas em fase de crescimento, pessoas em fase de desenvolvimento, população infantojuvenil. Essas terminologias reconhecem a individualidade e a dignidade das crianças e pessoas jovens, promovendo uma visão mais empática.
A escolha da linguagem que usamos reflete nossos valores e atitudes em relação aos outros. Como também a forma como nos comunicamos com relação às crianças e adolescentes tem um impacto significativo em sua autoestima, percepção de si mesmos e integração na sociedade. Ao repensar e desconstruir o uso do termo “menor” e adotar uma linguagem mais respeitosa e inclusiva, podemos contribuir para a promoção dos direitos humanos e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as crianças e adolescentes sejam reconhecidos e valorizados em sua plenitude, mesmo perante suas singularidades e diferenças.

Ana Potyara é advogada e diretora Administrativa Financeira da ANDI – Comunicação e Direitos

Flávia Falcão é jornalista na ANDI – Comunicação e Direitos

ANDI – Comunicação e Direitos é uma organização da sociedade civil, que compõe a Coalizão pela Socioeducação. A ANDI tem como missão potencializar a comunicação como instrumento de garantia de direitos e promoção da diversidade e da inclusão social.

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